A falta do
documento impossibilita, dentre outras coisas, o Cadastro Único de Programas
Sociais do Governo Federal - que permite o recebimento de benefícios sociais;
matrícula em instituições de ensino; acesso ao mercado de trabalho; e
recebimento de benefícios previdenciários, por exemplo. O primeiro documento é
necessário, também, quando a pessoa tenta emitir o Cadastro de Pessoa Física
(CPF), Carteira de Identidade ou Registro Geral (RG) e até o Cartão de
Vacinação.
A situação
vivenciada por dona Angelina pode ser mais comum do que se pensa, já que o
sub-registro só é identificado na emissão do primeiro documento, mesmo que fora
do prazo adequado. É considerado sub-registro quando a criança não recebe a
Certidão de Nascimento no próprio ano ou até o fim do 1º trimestre do ano
subsequente ao nascimento.
A
realidade é mais recorrente em municípios que não contam com uma estrutura adequada
para fazer o registro no tempo certo. Demétrio Saker Neto, juiz auxiliar da
Corregedoria-Geral da Justiça do Ceará, explica que a situação decorre da
“falta de conhecimento por parte da população da importância do registro e de
sua gratuidade.” Ele diz, também, que “a distância do domicílio ao cartório e
falta de iniciativa dos pais contribuem para a existência do sub-registro de
nascimento no interior”.
Após a
espera, sonho realizado: dona Angelina vive, hoje, em Juazeiro do Norte, na
Região do Cariri, e agora figura num grupo mais amplo. O último levantamento do
IBGE revela que, no município, 132 pessoas receberam o primeiro documento fora
do prazo - é o segundo maior número de sub-registros no interior do Estado,
ficando atrás, apenas, de Canindé, que somou 260 em 2017, ano do último
levantamento.
Dona
Angelina passou parte da vida morando na rua, sem saber ler nem escrever. Sem a
documentação básica, sentiu na pele os impactos que isso trouxe. Hoje, morando
em um apartamento alugado, chegou a ficar sem água por falta da titularidade na
conta, que só pode ser feita com Certidão de Nascimento. Sua amiga, Cícera
Idelma, foi a responsável por levá-la ao Cartório Pariz, na própria cidade onde
que mora, para retirar a documentação.
O tabelião
Maxwell Pariz conta que dona Angelina chegou ao cartório no último mês de
agosto, contou sua história e o desejo de ser reconhecida como cidadã. “Quando
ela veio, conversamos durante duas horas. Depois de levantar todas as
informações (que durou quase um mês), nós fizemos o registro de nascimento.
Faço isso a cada dois meses, mais ou menos”, relata. Maxwell precisou conversar
com outros órgãos, colher informações adicionais e, no último dia 11, conseguiu
emitir a Certidão de Nascimento da idosa.
De posse
do primeiro documento oficial, Maria Angelina decidiu estender o sonho e, na
última semana, já conseguiu retirar a Carteira de Identidade, Título de Eleitor
e a Carteira de Trabalho.
A espera para existir
Com o
mesmo problema, mas longe da solução, a família de Maria da Paz, 53, sofre até
hoje com a falta de documentos. Três dos oito filhos da mulher amargam as
marcas do sub-registro. Vivendo no distrito de Jaibaras, em Sobral, permanecem
anônimos aos registros Antônio Carlos, 22; Emanoel Messias, 19; e Antônia
Sheila da Silva, 15. A filha mais velha e porta-voz dos irmãos, Carla da Silva,
32, lamenta a situação. “Minha mãe se descuidou e não fez os registros desses
meninos. O juiz mandou os ofícios para os hospitais e os hospitais não mandaram
a resposta até agora”.
Ela conta,
ainda, que a irmã, de 15 anos, ficou seis meses longe da escola pela falta do
documento. “Ela estudava só com o cartão de vacina, mas, quando passou para o
9º ano, que foi para o colégio estadual, não aceitaram mais. Aí, um novo
diretor entrou na escola, me chamou e disse que um adolescente não podia ficar
fora da escola. Minha mãe teve que assinar um termo de compromisso até ela ser
registrada”, diz Carla. O processo está correndo na Justiça há quase dois anos.
Registro fora do prazo
Para a
expedição de Certidão de Nascimento fora do prazo, a pessoa deve procurar o
cartório de registro civil mais próximo de posse dos seguintes documento:
certidões negativas de nascimento emitidas por todos os cartórios de registro
civil do município de origem; certidão negativa eleitoral emitida pelo Tribunal
Regional Eleitoral (TRE); certidão criminal emitida por fóruns do município de
origem; certidão negativa emitida pelo Arquivo Público do Estado.
Com o
intuito de erradicar os sub-registros, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ)
implantou o Programa de Erradicação do Sub-registro Civil de Nascimento, que
utiliza o sistema informatizado interligado entre as maternidades e os
cartórios para que os recém-nascidos saiam do hospital já com a certidão. Na
Capital, Fortaleza, 10 cartórios possuem unidades interligadas. Já no interior,
por conta das limitações, nem todas as instalações foram feitas.
Nestes
casos, os profissionais das localidades ou zonas onde existe maternidade
integrante do Sistema Único de Saúde, têm que se deslocar aos locais para
recolher as declarações de nascidos vivo. Após isso, as certidões são lavradas
nos respectivos cartórios e entregues aos pais no prazo máximo de 24 horas.
Segundo a Corregedoria-Geral da Justiça do Ceará, é possível, também, firmar
convênios entre a maternidade/hospital e os cartórios com o intuito de garantir
que o registro seja realizado antes do recém-nascido receber alta hospitalar.
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